Alguns capítulos extraídos do livro “SEEING GOD
EVERYWHERE”- “Vendo
Deus em Toda Parte”- não disponível em
português,
do
Swami Shraddhananda,
copyright- 1996, Vedanta Press.
Parte
3: Compreendendo a Mente
Elevando
a Mente
Embora ninguém tenha nascido perfeito, todos se encontram
equipados com uma maravilhosa ferramenta para progredir, a mente.
Porque, normalmente, não compreendemos o poder de nossas mentes, temos de
educá-la. É por isso que somos enviados à escola, onde aprendemos diferentes
ofícios e habilidades. Mas, uma educação formal ou vocacional não é suficiente; temos de edificar nossas mentes
em outros níveis também. Um destes é a educação moral, que consiste no
treinamento do caráter. Se não tivermos educado a mente com valores morais,
tais como veracidade, auto-controle e humildade,
nossas vidas podem sofrer um desastre a qualquer momento. As pessoas virtuosas
são valiosas para si mesmas e para todos ao redor, porque irradiam força,
honestidade e paz. Ao iniciarmos a vida espiritual, a mente requer outra
espécie de sustentação- elevar-se rumo ao Infinito.
De acordo com a tradição
espiritual da Índia, a mente se acha constantemente sob a oscilação das três gunas, os elementos constituintes da natureza. O mais
inferior, tamas, é a força
da inércia, da negligência e da estupidez. Quando a mente está alerta, ativa e
desejosa, se acha sob a influência de rajas. A terceira força, sattwa, traz calma, compreensão e felicidade. É possível,
mediante a educação espiritual, incrementar e desenvolver as qualidades de sattwa.
A primeira qualidade sattwica é tranquilidade mental
em toda atividade. Considere Mahatma Gandhi: aqui está um homem que foi
tremendamente ativo durante todo sua luta pela
independência da Índia. Porém, profunda calma estava por trás de cada uma de
suas ações. Tal serenidade pode ser alcançada de muitas formas- através da
musica devocional, ou da contemplação e meditação, por exemplo.
Outra qualidade sattwica é o controle dos sentidos. Nossos sentidos são
como potros selvagens. Como recebem e rejeitam impressões, reagem de modo
selvagem perturbando nosso equilíbrio mental. Ficando perturbados, como vamos
receber a luz de Deus? Sendo assim, aqueles que buscam o auto-conhecimento
e a liberdade devem praticar o auto-controle. Eles devem procurar acalmar os
sentidos com o poder da vontade. É um grande engano pensar que, para gozar a
felicidade, nossos sentidos devam descontrolar-se. Não. Se um homem faminto vai
a um restaurante e, grosseiramente, agarra sua comida como um animal, ele não
saboreia de fato o que come. Porém, se o
faz com serenidade, ele aprecia inteiramente a comida servida.
Intrepidez é outra
qualidade que nossa mente deve desenvolver. Estamos sempre com medo de alguma
coisa. Mas, desde que somos, realmente, centelhas divinas, estamos investidos
com os atributos divinos. Intrepidez, ou destemor, é um destes atributos.
Quanto mais experimentamos a Deus, mais sem medo nos tornamos,
nos sentindo pertencentes a Deus que é poder e liberdade infinitas.
Outra qualidade sattwica muito importante para nossa vida espiritual é a
paciência. Nossa tendência geral é realizar tudo de forma instantânea. Em cada
uma das áreas de nossa vida nos tornamos inquietos e impacientes. Se desejamos tomar café, necessitamos café instantâneo. Não
queremos nos dar ao trabalho de ler um livro; desejamos apenas as anotações que
nos ajudem a passar nos exames. Queremos, também, uma experiência instantânea
de Deus, porém, não existe samadhi instantâneo. Os grandes
instrutores nos recomendam a continuar pacientemente com nossas disciplinas,
nossas orações e contemplação, e não esperar resultados imediatos.
Amizade é ainda outra
qualidade importante para o treino da mente. Verdadeira amizade, no plano
prático e moral, é uma coisa: posso ser amigo de alguém, mas, se este alguém
vai de encontro aos meus interesses, a amizade se desvanece como uma nuvem.
Porém, amizade espiritual é algo diferente, pois está baseada em uma grande
verdade espiritual- Deus, que é o fio dourado da unidade. Como é dito na Bhagavad-Gitâ: “Todas as coisas são atravessadas por Mim,. como jóias por um fio.” Devemos tratar de sentir esta
unidade. É natural que a mente deseje viver em um pequeno
tanque, mas uma pessoa espiritual deve elevar a mente e instrui-la:
“Você está agindo como uma pequena rã. Não pode viver apenas em seu pequeno
tanque, deve viver no mundo todo. Você deve tornar-se ampla, porque o mundo
todo pertence a Deus!” (O autor está-se referindo à estória “A Rã em um Poço”,
que Swami Vivekananda
recontou no Parlamento das Religiões, em 1893, em Chicago.”) Desse modo,
a mente experimenta crescente amizade para com todas as criaturas.
Intimamente conectada à
amizade está o perdão. Grandes mestres espirituais têm ensinado que, se alguém
procedeu erradamente, devemos perdoá-lo. Pense na estória da mulher adúltera, a
quem os fariseus estavam para apedrejar, quando Jesus Cristo intercedeu: “Que
aquele que estiver sem pecado atire a primeira pedra.” Todos ficaram
envergonhados quando Jesus, gentil e compassivo, disse à mulher que esquecesse
o passado e iniciasse uma vida pura.
A fé é outra importante
qualidade espiritual. Não nascemos carregados de fé, porém, para alcançar nossa
meta espiritual, necessitamos de um pouco de fé em Deus e em nosso potencial
espiritual. Se constantemente pensar, “Oh, não há esperança para mim, estou
condenado ao inferno”, então torno-me condenado ao
inferno. Porém, se tenho fé, uma chama se acende em meu interior. Embora possa
ser fraca, a principio, esta chama crescerá. A fé vem
através do estudo das escrituras e pela associação com pessoas santas, e deve
ser colocada em atividade; quando inativa, não realiza nada, como gasolina
armazenada em um tambor. Mas, se você colocar a gasolina em um motor e uma fagulha
a provocar, ela produzirá grandes coisas. De modo similar com a fé: precisamos
pensar que Deus existe e ouve às nossas orações. Ele reside em nossos corações
e podemos nos aproximar d’Ele por meio do esforço persistente.
Então, vem bhakti, ou devoção. É raro encontrar alguém que não ame
alguma coisa. Um homem pode não amar sua esposa ou filhos, mas ama sua vara de
pescar ou seu carro. Infelizmente, estes objetos amados estão sempre se
modificando: eu amo minha esposa, mas ela pode morrer depois de dez anos de
casamento; então, caso-me uma segunda vez, mas esta esposa requer o divórcio
após um ano; caso-me uma terceira vez, mas este casamento não funciona. Assim,
nossos amores mundanos ficam, constantemente, frustrados. Porém, se elevarmos a
mente ao plano do Divino Amor, Deus- que é imortal e supremamente belo- não nos
deixará frustrados. Quanto mais procuramos amá-Lo, tanto mais Ele responde. Se oramos a Deus por um emprego ou dinheiro, às vezes Ele
escuta, às vezes não escuta. Mas, se rezamos, “Oh, Senhor, quero amar você sem
qualquer expectativa”, então Ele corre até nós e diz, “Oh, sim, estou esperando
seu amor!”
Ainda outra forma de
edificar a mente está em descobrir e bem canalizar seu poder criativo. Com
freqüência, em nossa vida diária, utilizamos este poder. Na vida espiritual
devemos impulsionar este poder para o alto, de modo a que a mente possa
descobrir sua natureza superior. Finalmente, a mente compreende que a
Consciência é sua verdadeira base; a mente dispersa é apenas sua superfície
externa. Ela crescerá no sentimento de que é ela mesma a fonte de todas as
projeções e de que não há fim para seu poder criador. Afinal irá descobrir que
todo este mundo é criação da mente, não da pequena mente prática, mas da vasta
mente cósmica. Mesmo que esta experiência dure apenas cinco minutos, terá sido
uma grande realização. Quando se retorna ao estado normal de consciência, terá ficado, no fundo da mente, a memória daquela experiência.
Uma forma de compreender
esta experiência é comparando nossa vivência no estado vígil,
com aquela do estado de sonhos. Neste estado, há um mundo como em nosso estado
de vigília. Enquanto o sonho durar, sabemos que é real, mesmo que seja um
absurdo. Porém, quem criou este sonho? A Vedanta
afirma que foi a mente cósmica, desde que falta à pequena mente tal poder.
Entretanto, estando a mente cósmica sepultada em mim,
só poderá ser descoberta por meio de treinamento e entendimento.
O estágio final é
alcançado quando passarmos da mente cósmica ao verdadeiro Ser. Este derradeiro nível
de elevação é a iluminação espiritual. Quando nós, através da contemplação e
meditação, encontramos nosso verdadeiro Ser, descobrimos a Realidade espiritual
por detrás de todas as coisas. Então compreenderemos,
como afirmava Sri Ramakrishna,
que a mente pura e o Ser puro são um só.
Um buscador espiritual
deve ser um grande aventureiro, capaz de investigar além do variável fenômeno
da vida. A mente não deve estacionar ao nível da mente cósmica, mas, sim,
continuar em demanda de sua própria natureza, o Ser Infinito, que está além das
palavras, dos pensamentos e da individualidade.
Ao alcançar o oceano, o
rio perde sua identidade e se torna um com o oceano; assim, quando perdemos
nossa individualidade, nos tornamos um com a Verdade infinita. Isto é o que a Vedanta denomina moksha,
liberação- a mais elevada liberdade.
Níveis de
Consciência
Se designarmos a Consciência como
sendo nosso primeiro objetivo espiritual, nossa investigação metafísica será
simplificada, pois consciência é assunto de experiência familiar.
Filósofos ocidentais, psicólogos e
fisiologistas têm procurado examinar e formular a natureza da consciência à partir de diferentes pontos de vista, e, como resultado,
encontramos larga variedade de opiniões a respeito da origem e função da
consciência. Muitas destas teorias são opostas; uma conclusão aceitável por
todos, sobre a consciência, parece uma possibilidade bastante remota. Contudo,
nos seguintes pontos, estas teorias aparentam não discordar:
a. A consciência é um fenômeno mental intimamente
relacionado ao nosso cérebro e
sistema nervoso;
b. A consciência não tem existência
independente, desde que nascimento, crescimento e
despertar dependem de muitos fatores: os órgãos dos
sentidos, estímulos externos e
as funções fisiológicas do corpo;
c. A consciência é uma espécie de luz diretora
do organismo biológico; ela é essencial
ao comportamento intencional.
Pensadores
contemporâneos parecem estar mais interessados na origem e função da
consciência, do que o que a consciência é. É difícil para eles considerar a
consciência como entidade independente do objeto de que se está consciente.
Estamos sempre
conscientes de algo- um pássaro voador, uma parede, um som, um toque, um odor,
um pensamento ou uma sensação. De acordo com muitos pensadores ocidentais, a
consciência não conectada a algo é um absurdo. Não deveríamos
esquecer um ponto importante: ao estudarmos a consciência objetiva externamente
a nós, não percebemos, de fato, a consciência como ela é, mas sim, o fenômeno associado
a ela. Quando vemos um homem mostrando, irado, o punho fechado, ou uma mulher
sorrindo de contentamento, ou um inseto se arrastando à procura de comida,
estamos observando um fenômeno intencional. Desta observação, inferimos que,
tanto o homem, quanto a mulher e o inseto, são seres conscientes. Jamais
estivemos em contato direto com suas consciências. Uma percepção direta só é
possível com respeito à nossa própria consciência. A nós mesmos, a consciência
se revela. Portanto, é apropriado que no estudo da consciência, um lugar
importante seja dado à introspecção.
Um estudo objetivo do
comportamento intencional não nos ajudará nunca a entender a natureza da
consciência. Provavelmente não seja necessário à ciência sondar a natureza da
consciência por meio da introspecção. A ciência pode ficar satisfeita apenas em
acompanhar os fenômenos da consciência objetivamente, por observação exterior.
Mas, a psicologia ocidental não deveria ser dogmática ao afirmar que o domínio
da consciência vai até certo limite e não além.
Em verdade, a esfera da
consciência é infinitamente vasta, podendo ser estudada em diferentes níveis.
Em cada um destes níveis, nossa abordagem pode ser tanto objetiva quanto
subjetiva. A abordagem objetiva nos indica o que a consciência faz em um
determinado nível. A abordagem subjetiva é necessária para determinar o que a
consciência é naquele nível.
Se
somos introspectivos e estudamos nossa própria consciência, vamos
observar que esta mesma consciência é como um território onde todas nossas
experiências acontecem. Tal como todos os objetos se encontram no espaço e
todos os eventos ocorrem no tempo, assim todas as experiências estão associadas
à consciência (Nota do tradutor: aqui a palavra “consciência” é designada por awareness, no original, que significa um estado de
despertar constante ou de constante atenção interior.) Quando percebemos alguma coisa,
estamos “cientes” dela.
Ao observarmos um
pensamento ou emoção em nosso interior, este processo tem que estar acompanhado
pela conscientização. Quando caminhamos ou jogamos, lendo algum livro ou
ouvindo música, ou mesmo procedendo a um experimento de laboratório, esta
conscientização deve estar presente como um pano de fundo em nossa mente. Mesmo
para perceber tempo e espaço, necessitamos da consciência
primeiro. Não existe pensamento a menos que estejamos conscientes dele.
Não podemos falar em vida se a dissociarmos da consciência, pois nossa própria
existência é uma experiência consciente. A consciência nos circunda em cada
fase da vida; não nos podemos aproximar de um único ponto do universo sem esta
consciência. Estando despertos, não podemos escapar desta consciência (Com-ciência: estar ciente de algo.) Será, então, absurdo considerar a
consciência como uma realidade tão fundamental quanto tempo espaço?
Esta característica toda
abarcante da consciência só pode ser compreendida quando nos aproximamos dela
por meio de nossa própria intuição. Vista objetivamente em algo- seja um cão,
um verme ou mesmo um ser humano- a consciência pode ser tomada como uma
singular qualidade do organismo biológico, estritamente limitada a ele,
funcionando sob certas circunstâncias e arrefecendo quando seu encargo termina.
Não tem mais valor intrínseco que a fome ou a sede. Neste
forma objetiva de ver, não existe continuidade de consciência. É tão
somente um fenômeno psico-biológico dentro do
organismo. Vem e vai com o impulso que a produziu.
Contudo, quando
abordamos a consciência por intermédio de nossa própria intuição, ela não mais
permanece como um assunto de dedução. Estamos no centro da radiação de nossa
própria consciência. Não há ruptura nesta percepção. Os objetos, sejam internos
(pensamentos, emoções e sentimentos), sejam externos (casas, jardins, pessoas,
animais, etc.), passam
diante daquela radiância em contínua sucessão, sendo,
instantaneamente “conhecidos” por nós.
Mas, aquilo que une estes objetos com o conhecimento, é a imutável Consciência
em nós- vasta, imensurável, auto-existente. Ela é o centro de nossa
personalidade. Também é o centro de nossa experiência. Toda existência repousa
nesta Consciência.
Embora a verdadeira
natureza da Consciência só possa ser conhecida através de nossa intuição, isto
não significa que toda e qualquer pessoa alcançará este conhecimento. Isto tem
que ser desenvolvido por muitos anos de investigação paciente e disciplina. O Katha Upanishad afirma claramente que
aquilo que nos impede de realizar o Ser sempre-existente, é nossa própria
tolice: “Aquele que não abandonou a perversidade, que não está calmo e submisso,
e cuja mente não está em paz, não pode realizar o Atman.”
A verdadeira natureza da
Consciência é sempre livre. Não teve nascimento nem terá morte, não sofre
nenhuma modificação sob qualquer circunstância. Não está limitada por tempo,
por espaço ou leis de causalidade. É a Realidade imortal mais elevada; Ela é Brahman. Como conscientes seres humanos,
sempre compartilhamos esta Realidade.
A Consciência se torna
“confinada” ao ingressar em uma relação sujeito e objeto. Desse modo, todo o
conhecimento e pensamento de nossa vida empírica são manifestações desta
Consciência confinada.
A Vedanta
diria que esta limitação é apenas aparente.
A verdadeira natureza da
Consciência- Brahman- não pode ser danificada ou
passar por alguma transformação. A, aparentemente,
transitória natureza da Consciência, deve ser atribuída à mente com a
qual está associada. As ondas mentais, ou vrittis,
vêem e vão, mas não a Consciência que as ilumina. Na vida diária, contudo, não
é possível detectar a verdadeira Consciência. Via de regra, confundimos a
Consciência com as ondas mentais, e, como resultado,
assumimos ser a Consciência transitória, fragmentária e variável. Assim,
não é de estranhar, que alguns cientistas ocidentais identifiquem a Consciência
com as vibrações cerebrais.
Reciprocamente, a
consciência limitada, caracterizada pela relação sujeito-objeto, existe em
outros níveis além daquele da nossa familiar experiência vígil.
O estado de sonhos é um destes exemplos. Neste estado, temos um mundo
perfeitamente válido com seus múltiplos objetos e ocorrências, em uma
apropriada estrutura de tempo- espaço e causalidade. É apenas ao despertarmos
que compreendemos o absurdo destes sonhos.
Em sono profundo
encontramos outro nível de consciência, inteiramente diferente dos outros
estados, de sonhos e de vigília. Um objeto, no estado de sono profundo, não
pertence a este universo de multiplicidade, como nos outros dois estados; é,
antes, uma massa uniforme de conhecimento. As experiências sensoriais como
visão, audição e olfato, e as ondas mentais como pensamentos, emoções e
sentimentos, todas se aglutinaram em um todo sem forma, sem qualquer conteúdo
específico. Desde que o movimento dos sentidos e da mente foi interrompido,
esta experiência nos deverá trazer grande paz. Porém, esta paz advinda do sono
profundo, não deveria ser tomada como uma percepção negativa. Sono não é
inconsciência do ponto de vista da personalidade humana como um todo; é
inconsciência em relação à pessoa desperta.Nas
experiências místicas e religiosas, a Consciência funciona ainda em outro
nível. Neste estado, alcançado após prolongada prática
de auto-controle e contemplação, a mente se torna tão sutil e pura que, quando
a Consciência lá se reflete, a experiência assume a forma de diferentes
percepções suprasensoriais. A forma que esta
percepção assume depende da inclinação espiritual de cada um. Um devoto de Krishna pode ouvir sua divina flauta; um devoto de Cristo, pode ver as formas beatíficas de Jesus ou Maria. Um
místico que não acredita nas formas de Deus, pode experimentar paz e
bem-aventurança provenientes da vívida revelação de uma idéia espiritual
impessoal. Ao ouvir música religiosa, um ardente devoto pode passar por uma
experiência estática, enquanto a mente é elevada a um nível incomum de contentamento
e tranquilidade.
Desde que estas ocorrências implicam em uma
relação sujeito-objeto (o devoto sendo o sujeito, e as formas e idéias de Deus,
o objeto), a consciência que as experimenta ainda pertence à categoria de
“confinada”. Visões espirituais têm o poder de transformar nossa mente e
sentidos extraordinariamente; grande calma, pureza, paz, e sentimentos de
liberdade, segurança e felicidade, invariavelmente, acompanham estas
experiências. Mas, ainda assim, a Vedanta não afirma
que ali a Consciência alcançou seu nível superior. Estes estados são patamares
significativos a caminho do Mais Elevado.
O mais elevado nível de
Consciência é alcançado quando nós a realizamos como sendo a eterna e infinita
sustentação de todas as experiências, jamais aderida a qualquer conteúdo
objetivo. Isto é o Atman, nosso verdadeiro Ser. O Atman é Brahman, a derradeira
meta de nossa busca espiritual.
A Vedanta
hesita em usar a palavra “alcançar” com respeito ao Atman,
desde que o Atman está sempre conosco, é nossa
genuína natureza. Nunca, nem por um momento estivemos separados d’Ele. Somos
sempre Aquele.(Referência à conhecida expressão Thou Art That,
Tu és Aquele.) A tragédia é que, por alguma razão, nos esquecemos de nossa
herança eterna. Este esquecimento é chamado maya em
filosofia Vedanta. Todas as práticas espirituais têm
o propósito de remover esta maya- a básica ignorância
da vida- de modo a que a sempre existente verdade do Atman nos possa ser
revelada.
Em realidade, não
existem “níveis” de Consciência. Sua natureza radiosa se mantém sob todas as
condições. O que empresta à Consciência a idéia de níveis são os upadhis, os acessórios com os quais a Consciência está
aparentemente conectada. (De acordo com a Vedanta, um
upadhi é um acessório limitador, um agregado de
ignorância que o Atman se auto
impôs devido à sua identificação com o corpo, a mente, os sentidos, o
intelecto e o ego.) Assim é que fazemos distinção entre o estado de vigília e o
de sonhos, entre este e o de sono profundo; dizemos consciência mística e
consciência empírica, e, quando acordados, classificamos nossa experiência sob
várias categorias. Contudo, do ponto de vista do Atman,
a essência da Consciência permanece imodificável em todas estas situações. Não
se incrementa nem decresce; não é glorificada nem humilhada. É sempre
imaculada, livre e imortal.
Suprema sabedoria é
conhecer que nossa vida consciente é iluminada, a cada momento, por esta Luz de
todas as luzes, a Verdade de todas verdades- nosso
próprio Ser. Corretamente afirma o Kena Upanishad: “Brahman é conhecido
quando realizado em cada estado da mente; por meio deste conhecimento, se
alcança imortalidade.” E, também, o Katha Upanishad: “É por intermédio do Atman
que se conhece forma,
gosto, cheiro, som, tato e prazeres carnais. Haverá algo que permaneça
desconhecido para o Atman?” A Consciência que sempre
nos abarca- dentro e fora como tempo e espaço- é a Realidade mais elevada
quando podemos compreender sua natureza, libertando-a das idéias objetivas que
lhe conferem a aparência de transitoriedade. A Consciência é nosso próprio Ser.
Todos os epítetos que descrevem Brahman, tais como
Ser, Felicidade e Imortalidade, de fato pertencem à
mesma Realidade. A maneira mais simples de abordar a Realidade é através de
nossa própria consciência.